Author: tabatamertz

Jornalista / Assessora de Imprensa

GHOSTS

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Estive buscando me dar um tempo. Descobrir o que está acontecendo. Tenho andado distraída e irritada. Uma inquietação e vontade de estar sozinha.

Tenho pensado em partir e encarar uma nova vida. E esse medo bobo de viver… E se eu já não me encontro mais, tenho feito de você uma estranha pra mim. Apesar de toda cumplicidade, parece que queimei todas as pontes que me ligavam a você. Era necessário refletir por alguns dias. Partir seria a solução? Talvez fosse essa a minha – a nossa – libertação.

Então você apareceu como naquelas manhãs antigas, me olhou com olhos doces, deitou a cabeça em meu colo, fechou os olhos. Seu corpo nu com marcas do lençol e, naquele momento, o tempo parou. Deixei de lado tudo o que angustiava e te fiz um cafuné. Você ainda acordando, a luz morna que entrava pela janela, seus olhos fechados e sua boca… Sua boca até sorria. A vida toda estava existindo para e naquele momento.

Então eu percebi que tinha jogado fora toda e qualquer intenção de fugir. Pelo menos não fugiria naquela manhã, não daquele jeito. Fiquei sem entender o que me fazia sempre estar em paz ao teu lado. Mesmo quando estava brava, mesmo quando estava triste, até mesmo quando eu já não estava mais ali…

(Barbara Marry – Dezembro/2014)

RECOMEÇO

Me propus reler antigos textos. Foi sem querer, abri o caderno onde esboço coisas e, em uma página aleatória, me deparei com um que nem me lembrava mais. Foi algo bom porque nele eu reclamava da falta de inspiração, mas pude perceber que ela estava em todo lugar, mesmo que escondida.

Me forcei a voltar a relatar os sentimentos e situações no papel e agora – depois do texto antigo – posso fazê-los com mais clareza.

Essa nova fonte de ideias, a luz no fim do túnel, os detalhes que passam desapercebidos… Isso me renova e me completa. É por isso que busco sempre estar atenta ao que acontece timidamente ao meu redor. Toda história e todo jeito escondido por trás de alguma coisa ou alguém.

Às vezes fico pensativa quando olho pra as pessoas voltando pra casa depois do trabalho. Imagino histórias, tento entender o que elas podem estar sentindo, fantasio o que elas fazem quando chegam em seu destino… O metrô tem muita gente e me perco entre uma história e outra.

Mas tem essa que eu gosto, dessa menina que às vezes encontro, que está sempre com algo em mente, sempre escrevendo. Ela escreve sobre as coisas que vê, mas escreve como se fala, sem normas, nem amarras. E ela esquece que vai pra casa durante o caminho.

O plano dela é continuar na caneta e no papel até acordar, mas daí apita o sinal e é sua estação. Ela guarda os sonhos na mochila com cuidado e sai apressada, esperando que a porta do vagão não feche. Fica vaga. Sua mente e sua cadeira no metrô.

Até chegar em casa, ela passa por muitos lugares. Todos poderiam ser o seu destino. Talvez um outro dia. E já em casa ela pensa que chegou aonde deveria mas sabe que, para chegar ao seu real destino, ainda tem muito chão…

(Barbara Marry – Janeiro/2015)

Nostalgia

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Quem me conhece pouco não diz que eu possa ser a ovelha negra da família. Não que eu seja assim tão diferente, mas eu fiz a curva em algum momento  e nunca mais voltei.

Há quem diga que as ovelhas negras são a laranja podre do saco. Mas acho que não é o meu caso. Eu fui virar laranjeira em outro lugar. Para mim, o posto concebido não trouxe má fama, mas fama nenhuma. O anonimato repentino de quem antes era anfitrião.

A distância proporcionou o conhecimento e a descoberta do mundo pela minha própria vontade. Mas tudo tem um preço, de certa forma.

Hoje, quando me deitei, senti um incômodo. Fechei os olhos tentando dormir e, ao invés de sonhos, minha mente foi aos poucos se enchendo de memórias. Comecei pela sala de minha avó e lembrei até do cheiro dos armários que não podíamos mexer quando éramos crianças. O que será que teria escondido hoje lá?

O passeio mental fez um tour pela casa toda, com tantos flashes de histórias e saudades. Cada móvel traz a lembrança de cada encontro, cada festa, cada domingo… E termino no portão da frente. Vou embora outra vez.

Preciso manter o anonimato. Às vezes é difícil manter a cabeça longe. Mas já fiz a curva, o mundo me espera e não posso parar. Espero que, se algum dia a gente se encontrar, você entenda que não quis esquecer de nada. É que, quando a gente está na estrada, não se pode olhar pra trás.

(Barbara Marry – Agosto/2016)

Ensaio

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Confesse – ela disse – e abaixou os olhos por um instante. Olhou novamente para as pupilas dilatadas à sua frente e encarou. Seria silêncio, se não fosse pelo barulho da lâmpada com mal contato.

Não vai dizer nada? – continuou. O suor nervoso de quem não sabe o desfecho, deixava suas mãos úmidas. Os olhos procuravam a saída mais próxima, tentando se esquivar.

Quase desistindo, ela fixa o olhar, aproxima o rosto, vê as pupilas dilatadas bem de perto e pergunta:

-Quem você quer enganar?

Ela não podia fugir. Confessar seria desastroso, mas ela não podia escapar. Olhar-se no espelho te revela a imagem. Olhar-se na alma, te revela a verdade…

Barbara Marry (Agosto/2016)

Perspectiva

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Foi num relance, quase inexistente, quando aconteceu. Acho que era por volta das duas da tarde ou duas da manhã. Não sei bem. Acho que não faz diferença, mas não pude perceber.

Eu me lembro de ter visto centenas, talvez milhares deles. Se você me perguntar, posso te dizer que eram todos idênticos. Como eu sei? Bom… Eu os via todos os dias, em muita gente que passava por aqui.

Mas era assim até que, nesse dia, um par deles ficou preso em mim. Eu não pude evitar. Nunca tinha visto nada como eles. Nunca. Foi tão rápido que poderia ter passado uma tarde toda e não daria pra notar. Tão rápido que precisou passar em câmera lenta. E eu preso naquele espaço infinito de tempo, sem querer piscar para não perde-los de vista.

Pisquei.

Pisquei e não vi mais. Acho que entraram no trem. Mas vou te dizer… Fico sentado aqui todos os dias, só que nunca mais vi uns olhos tão reais e sinceros como aqueles.

 

Barbara Marry – Agosto/2016

Redator

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Eu gosto quando as pessoas escrevem sobre a realidade, sobre elas mesmas. Li em algum lugar que a história deve, antes de ter um tema, ser boa de escrever. Dessa forma, sua leitura também será agradável.

Por isso, gosto das histórias que as pessoas contam delas mesmas. A falsa ficção das entrelinhas, personagens que, de tão reais, parecem inventados. E esse fato ocorrido que é contado por você, como se quisesse esconde-lo, o torna ainda mais intenso.

Imaginar a verdade como foi pra você, mas como eu quiser. Sei da cor dos teus cabelos, sei da tua voz – e a imagino quando existe fala. Mas imagino a cena do meu jeito. Sua história agora é minha também.

 

Barbara Marry – Agosto/2016

Covil

 

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Estabelecendo a analogia

Entre cobras peçonhentas e gente nociva

Descobri a injustiça:

Elas, coitadas, com seu guizo

Fazem só o necessário para que sobrevivam

Rastejam pra bem longe e nos avisam:

– Sou um perigo, segue em paz, só não me pise, meu amigo!

Já gente, a gente nunca sabe

Quando é crueldade dissimulada no sorriso

E por mais que sigamos sem deixar rastros

Gente nociva vem rastejando, perseguindo nossos passos!

E ameaçam dar o bote, destilando seu veneno:

– Não tenha medo, vem comigo, meu amigo,

…te encurralo num abismo!

Não são como as serpentes, antes fossem tão honestas

E, ainda sem o antídoto, sigamos fugindo

Das palavras proferidas que nos ferem

…Fiquemos longe dessas presas!

– Já não escuto seus chocalhos, aberrações da natureza!

(Tabata Mertz, Janeiro 2015)

Decompor

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Ah!

Valha-me a putrefata poesia,

Destilada por nossos envenenamentos da rotina

Uma satisfação em qualquer agouro, cinza, gota, corpo

Ou em um estouro

De ideias, ossos, copos

Na agonizante selvageria de não pertencer

Mas ser parte integrante, fator homogeneizante

Unindo o impossível – essa irrealidade ao contraste da verdade

Poro por poro no puro do escuro com sopro em sussurro,

Instigante notívaga euforia!

Que vem e revitaliza

Toda e qualquer maledicência

Em nova e majestosa alegoria

Pra enfeitar (não enfrentar) esse qualquer coisa considerado vida.

(Tabata Mertz, dezembro 2015)

Mute

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Gosto do silêncio. Daquele tão quieto que te grita, ensurdece. Sabe, quando o vizinho está em obras por três semanas e, subitamente, no meio da tarde de uma quarta-feira qualquer, cessam os martelos e furadeiras. E ainda há carros, há vozes, máquinas, passos, pássaros. Mas a ausência repentina do barulho maior te insere em uma bolha macia e maciça de silêncio.
Desses que se ouve na mente inquieta, que lê com os olhos e apenas move os lábios ao acompanhar a frase no livro. Que te assopra em um instante quando se distrai, um momento entre a inspiração e a expiração.
O não-som das palavras deixadas de dizer para não magoar, a mudez do abraço e do sorriso. Um silêncio que só pode ser ouvido quando se está em paz.
Esse silêncio que há em meu coração. Que prefere estar calado, mas fala baixinho a quem encosta a cabeça em meu peito.
(Barbara Marry – Abril/2014)

The song remains the same

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Ei, espera! É, acho que era essa. Ouve.

Olhou-a nos olhos. Piscou, manteve a fixação por mais alguns instantes e desviou para a fumaça do cigarro recém aceso, lembrando. Estendeu a mão em um convite meio sem jeito. Como se fosse previamente combinado, aproximaram-se e o corpo, quase que instintivamente, repetiu a cena. Pra lá, pra cá, pra lá, pra cá.

Ela balançava as mãos, olhos fechados, lembrando. Então se levantou e rodopiou. As mãos regendo o teatro de sombras que se formava. Pra lá, pra cá, pra lá, pra cá. Voltou para o sofá. Olhou-a novamente nos olhos, mas desviou pq não sabia lidar com aquela sensação.

A vitrola e os ruídos, a fumaça do cigarro quase no fim e a blusa sobre o colo. Os olhos já distantes não encaravam mais. No fim daqueles poucos minutos as mãos, agora tímidas, acompanhavam os últimos movimentos. Silêncio. Levantou, recolheu a blusa, desligou a vitrola. Olhou-a nos olhos mais uma vez, beijou a foto com saudade e foi dormir.

(Barbara Marry – Dezembro/2015)